11 September 2013

Rafael Nadal: "... sou humano"

Rafael Nadal mordendo o troféu do US Open 2013
Tradução de entrevista do tenista espanhol Rafael Nadal, nº 2 do ranking, depois de ter conquistado pela segunda vez o Torneio US Open, ao jornalista Juan José Mateo, do jornal espanhol El Pais. 

O campeão toma depressa um suco de laranja. Sentado em um sofá, Rafael Nadal se levanta para desligar um rádio, que atrapalha a conversa com este diário sobre seu épico duelo com Djokovic e sobre os seus sentimentos desta temporada depois de  sete meses de duro trabalho para superar uma lesão no joelho esquerdo. Enquanto isso o troféu do US Open descansa sobre uma cadeira.

El Pais: Desde que você voltou a jogar, somam 13 torneios disputados, 10 títulos, duas finais e uma primeira rodada. O que teria mudado em sua carreira se você jogasse antes com a agressividade de agora?

Rafael Nadal: Não sei se haveria conseguido tudo o que eu consegui. É vital que estejas preparado. O mais importante é que o seu jogo vá de acordo com a sua cabeça, porque seus golpes não podem ir mais do que sua cabeça esteja preparada para assumir. No passado eu não sei se eu teria habilidade para jogar assim. Se me vê jogar nos Jogo de Beijing 2008 (ganhou o Ouro), em Wimbledon ou aqui em New York em 2010, eu jogava muito agressivo também, a um nível muito alto de intensidade e agressividade. Agora eu estou exagerando mais, jogando um pouquinho mais à frente do que antes, porém minha carreira sempre progrediu por esse caminho. Evidentemente nos últimos tempos eu tive que acentuar um pouco mais. Não creio que seja uma mudança radical. Eu fui passo a passo.

El Pais: "Possivelmente ninguém arranca esse nível meu como Djokovic" você disse após vencer. Você se surpreenderia consigo mesmo se assistisse o vídeo dos melhores pontos? Talvez agora  mais agressivo, quem sabe os golpes não podem ir mais rápidos que sua cabeça?

Rafael Nadal: Quando eu treino, quando trabalho, não posso chegar a fazer as coisas que eu faço quando em competição, o que no final sempre é surpreendente. O que se passa é que, por experiência, quando eu estou jogando bem, com intensidade, com confiança, eu sou capaz de
aproveitar esse golpe extra, especial, nos pontos limite, nos momentos de tensão da partida. Nos treinos é impossível encontrar essa determinação, essa emoção e concentração que te levam a superar-se momentaneamente pela exigência da partida. Isso se passa com todos. Com Novak, Federer, comigo... quando competimos e estamos no máximo da nossa exigência mental, tenística e física, sempre nos damos um pouco a mais.

El Pais: Em uma partida, como uma final, de alta velocidade e mudanças de tendências constantes, dá tempo de pensar ou tudo depende da inspiração do momento? 

Rafael Nadal: Você tem uma ideia. Claro que se pensa. Quando você joga contra rivais que te exigem tanto, você tem que ter uma ideia clara e no ponto você vai improvisando porque não existem bolas iguais. Cada bola é diferente. Posso tomar a decisão de atirar na paralela, mas tem bolas que não posso decidir. Eu tenho que variar,  sempre sabendo que tenho que realizar a minha ideia senão eu perco o controle. Em um momento da partida o adversário me pressionou e eu perdi um metro de pista. No final do segundo set, no começo do terceiro ele me dominava porque não me deu um  descanso. Ele fazia tudo o que se pode fazer dentro da quadra. Era muito difícil pará-lo, igual, eu creio, que eu o dominei no primeiro set quando joguei a um nível altíssimo. Existem momentos para suportar. Igual no revés. Eu sei que não posso perder o controle, que não posso dar muito ângulo, que tenho que jogar no meio. Eu consegui isso.

El Pais: Como você define Djokovic?

Rafael Nadal: Ele é um jogador que com facilidade faz as coisas mais difíceis do tênis. Ele é capaz de fazer tudo realmente difícil, mudar de direção e diminuir e golpear sempre dentro da pista, com pouco esforço. Ele é o mais complicado e faz isso com uma facilidade incrível. Djokovic é capaz de fazer tudo mais difícil sem esforço; eu coloco mais paixão que ele. 

El Pais: Então porque você é capaz de ganhar dele?

Rafael Nadal: Eu o faço com menos facilidade que ele, porém eu suponho que também faço o mesmo, à base de mais esforço, de intensidade, de paixão em cada golpe dele. Claro que eu acabo fazendo as coisas que são as mais difíceis do tênis, do contrário eu não ganharia jogos assim. 

El Pais: "Só minha equipe sabe o que significa esta equipe para mim". O que significa?

Rafael Nadal: Eu me refiro a todos eles que têm estado comigo em todo este tempo, na dúvida diária de como eu vou evoluir, no trabalho sem resultados positivos durante muitos meses. No final do dia, em muitos dias, o meu joelho me incomoda, continua me incomodando (Rafa se refere ao joelho esquerdo que o manteve afastado por sete meses das quadras, até fevereiro de 2013). Alguns dias eu não posso fazer tudo o que eu gostaria de fazer e eu tenho que medir os esforços diariamente. É difícil conseguir o que tenho conseguido tendo que ir medindo todas as coisas. Ganhar por si só já é difícil, ainda mais quando coisas que fazem você não estar cem por cento na inclinação da bola e da raquete. Conseguir abstrair-se de tudo para ficar focado, entusiasmado e motivado para a vitória é a luta diária que eu tenho mérito. Em grande parte graças a todos eles que me ajudam diariamente em todos os momentos... eu sou humano. Tenho momentos de baixa. Eles me pressionam para eu me manter.

El Pais: Existe uma foto em que se vê que o seu quadríceps esquerdo, que é o que mantém o joelho esquerdo, com músculos muito marcados. 

Rafael Nadal: É uma foto... eu trabalhei muito pra no final este quadríceps (aponta para o direito), continua muito mais forte que este (o esquerdo), continua muito mais forte que este. Dentro do que convém eu vou trabalhando, mas em nenhum momento, nem hoje, eu posso trabalhar na potência toda que eu preciso para que esta perna esteja tão forte quanto precisa estar. A foto do quadríceps está muito boa, mas a nível de força eu sei que não está muito bem. A verdade é que eu preciso estar um pouco melhor para poder trabalhar na potência. Me custa muito. 

El Pais: Durante a final (US Open) você tropeçou e acabou no chão. Você levantou-se como que impulsionado por uma mola.  Você queria apagar qualquer sinal de fraqueza? 

Rafael Nadal: Quase nunca eu faço as coisas pensando no adversário, só em mim mesmo. Quando me levantei rapidamente não o fiz pensando em não dar nenhum sinal ao rival, mas ao contrário, para dar a mim mesmo a sensação de que bom, eu perdi esse ponto, o que foi uma pena, porque o teria controlado... mas vamos ao ponto seguinte. É um momento vital. Era 4-4, 0-30. Não há margem. Sei que tenho que salvar esse game seja como for. É coisa minha. Dizer-me: "Vamos, não é o momento de cairmos aqui (no solo). Tem que levantar-se e seguir".

El Pais: O número 1 é virtual. Se recuperas o posto, passados três anos, desde que terminastes o ano como número 1   Nenhum tenista foi capaz de voltar ao topo depois de tanto tempo   Isso reflete a sua capacidade de ressuscitar?

Rafael Nadal: Eu tenho números bastante positivos. Por causa dos problemas físicos,  muita gente falando que não vou durar muito, e no final eu sou o jogador que conseguiu ganhar mais durante mais anos consecutivos (nove anos). Isso significa que o físico correspondeu e continua correspondendo. Este dado dos três anos é outro dado que significa que o entusiasmo pelo esporte continua firme. Às vezes você precisa passar por maus momentos para reagir. No ano passado eu precisava porque eu havia reagido em momentos difíceis em 2011 (foram sete finais consecutivas perdidas para Djokovic). Em 2012 eu fui com uma energia diferente. Eu não precisava reinventar 2013. Eu estava pronto para lutar tudo o que tenho lutado este ano. O físico não me permitia. Isso fica conosco, dentro do corpo. Quando voltei eu o fiz com tudo o que tenho. Às vezes tudo o que se tem é x , às vezes tudo o que se tem é x e muito mais. Por sorte este ano tem sido x e muito mais.

El Pais: Só falta a você ganhar o Masters Cup (ou ATP World Tour Finals). Você acredita que isso seja possível?

Rafael Nadal: É viável. Eu joguei em uma final e perdi de 3 sets do Federer. É complicado também. Em parte é injusto que nem todos os jogadores tenham as mesmas chances de ganhar esse torneio tão importante, que é uma recompensa para as conquistas ao longo do ano em todas as superfícies. Por que o torneio que te qualifica para todas as superfícies tem que ser jogado sempre na mesma superfície? Parece ilógico e um pouco injusto. Eu tive a má sorte de que nos anos que eu competi tenha sido nas piores condições para mim, indoor e piso duro (Rafa cita Houston que era ao ar livre). A má sorte é essa. Não é o momento de queixar-me de nada e sim de lutar com o que tenho, de adaptar meu jogo para chegar bem preparado e tentar ser competitivo.

El Pais: Quando você tiver tudo, com o que você vai sonhar à noite? 

Rafael Nadal: Eu me sinto feliz pelo que a vida está me dando e sou agradecido a todos os que me ajudam pra que isso seja realidade. O entusiasmo é o mesmo de qualquer um que tenha a sorte de trabalhar em algo que gosta , de se destacar nisso e poder viver tudo o que estou vivendo. Eu sou um afortunado. Tomara eu possa seguir desfrutando de muitos anos de competições porque é algo que me preenche. Não é só ganhar e sim a oportunidade de competir no mais alto nível.

El Pais: A cada vez que você ganha aumentam os comentários agradecidos por você fornecer notícias positivas neste momento tão duro do país (Espanha). Você sente que tem responsabilidade?

Rafael Nadal: Eu não carrego essa responsabilidade. A situação é complicada e necessitamos de boas notícias. Não vou te enganar. Eu, por sorte, nunca vivi uma situação como vive muita gente na Espanha. A meu modo eu também passei momentos difíceis, como em 2009 e 2012, apesar de que não se pode comparar porque as preocupações são distintas e qualquer um que sofre para chegar ao final do mês... No meu caso, em momentos ruins, eu vi boas notícias de companheiros espanhóis triunfando pelo mundo, nestes tempos difíceis, me emociona, me dá alegria, me encoraja, que é o que eu preciso. Eu não acho que eu ajudei em particular, mas certamente muita gente vai olhar para a frente por causa da vitória da Espanha em New York. É uma carga de energia positiva muito importante. 

Traduzido por
Bernadette S. Holvery

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